O ano do linux chegou, e agora ?
O Anahuac soltou um texto no Br-Linux sobre o estado das comunidades linux no Brasil, seguem as minhas opiniões sobre o assunto.
Eu não concordo com tudo que o Anahuac escreveu, mas entendo um pouco dessa amargura que ele tá sentido. Em 200x quando eu conheci o Anahuac por meio de listas de discussão, o ano do linux era o ano corrente + 1, várias empresas se estruturaram em torno das migrações de windows para linux, tinha a Conectiva empregando um monte de gente que desenvolvia software livre no Brasil, tinha um lobby forte pra fazer os governos usarem software livre, hordas de estudantes se envolvendo com traduções.
A gente usava jabber como im, email bacana era o do pessoal do riseup, tinha pouco espaço mas tinha 4 níveis de criptografia no disco. O grande desafio era montar um setup de desktop com o mínimo de drivers proprietários possivel, tinha sites listando softwares alternativos livres, o legal era xingar o KDE pq o QT era livre mas não era GPL. Conheci gente que preferia não usar o Wifi do que instalar driver proprietário ou usar o ndiswrapper com driver do windows… Pessoal se juntava de fim de semana pra fazer uma distro linux bootavel com interface gráfica caber em um disquete de 1.4 Mb só por diversão, o gentoo era uma distro que permitia compilar o sistema inteiro escolhendo a dedo as dependências usadas, era possível escolher a implementação da libPNG desejada por exemplo. Liberdade total pra tunar o SO.
Era tudo muito legal, a própria flexibilidade do software livre permitiu a evolução de modelos de negócio, dos serviços de internet e da própria internet. Com o surgimento dos webApps, compartilhar o código deixou de ser requisito, a liberdade também, o caso mais emblemático foi o Gmail, ele surgiu em uma era onde administrar emails era um pepino, servidor e espaço em disco eram caros. Ele seduziu muita gente oferecendo 1Gb de espaço… naquela época eu tinha um HD de 14.3Gb… Em troca o google só queria a autorização para ler os emails e gerar propaganda direcionada. Muita gente olhou torto, mas a interface era bonita, clean e tinha muito espaço.
Um outro gargalo na adoção do linux era a suite Office, o Star/Open/Br/LibreOffice demorou um tempão pra chegar no nível do MS Office, e quando chegou as pessoas perceberam que era mais cômodo usar uma suite Office on-line, mesmo que com recursos limitados. Ninguém mais se importava em deixar sua planilha de gastos pessoais ou teses acadêmicas em serviços on-line, todos concordam em autorizar o provedor do serviço a vasculhar os documentos para gerar métricas.
As pessoas mudaram, aquela neura com privacidade se foi, pra quase todo mundo é ok trocar a privacidade dos dados por comodidade, bater uma foto e ela aparecer magicamente em um repositório on-line e de graça putz, é ou não é um sonho ?
Então com os devices móveis, todos concordam em deixar aberto seus logs de movimentação, fazendo checkins públicos em estabelecimentos comerciais, ensinando ao provedor do serviço os hábitos de consumo de quem usa o serviço, em troca o usuário sabe onde outros usuários estão indo.
Então fomos invadidos por APIs, os sites deixaram de ser meros portais de informação e se tornaram provedores de serviços e troca de dados, aplicativos desktop foram gradativamente substituídos com vantagens por soluções superiores hospedados em servidores sabe-se lá onde.
Enquanto isso, as listas de discussão foram esvaziando, as comunidades deixaram de crescer …
Em 2002 colaborei com um grupo de entusiastas para apresentar o linux para os bixos de Física na USP, foram palestras e mini-cursos, acho que 80% da turma que participou usa linux até hoje em suas pesquisas de pós-graduação e em seus empregos. Sondei a criação de um grupo de estudos de software livre em 2013 com os bixos de Sistemas de informação na USP Leste e a aceitação foi muito ruim, disseram que trabalhariam com o que pagasse mais, e que não queriam se envolver com discussões políticas, teve um que falou que parecia coisa de comunista, outro falou que não trabalha de graça.
99% dos softwares que o cara usa no dia a dia são software livre, mas pensar em contribuir com a comunidade é quase uma ofensa. Me senti um xiita pregando pra quem não quer ouvir.
Hoje em dia o Stallman é taxado como gordo barbudo excêntrico, ninguém leva nada do que ele diz a sério, provavelmente o garoto que fez o joguinho dos passarinho e desistiu de distribuir por causa da “pressão” seja mais exemplo a ser seguido do que o cara que criou as bases pra industria de TI que temos hoje.
Vejo num futuro próximo o fim da computação pessoal, tudo vai rodar em servidores de empresas e o que teremos em nossos escritórios serão apenas terminais burros.
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